Há quem acredite nas coincidências ou num destino pré definido.
Por norma tento encontrar explicação nos acontecimentos ou na sua interligação, explicar aquilo em que não acreditámos é um exercício bem mais difícil, pelo menos assim o é para mim.
Na prática todas as decisões que tomámos ao longo da vida têm a sua influência no futuro, às vezes com consequências imprevisíveis condicionadas por pequenas decisões.
Na pesca assim o é também, estar na altura certa e no lugar certo por vezes pode ser um exercício matemático de probabilidades mas há momentos que todas as probabilidades podem ser derrotadas ou em que simplesmente o improvável acontece.
Com muito prazer que me identifico com a pesca, sempre assim o foi desde que me recordo de ter memória.
A pesca esteve comigo desde sempre e eu sempre estive com a pesca, tive a felicidade de viver momentos inesquecíveis a pescar em criança, adolescente e já em adulto, não se pode viver do passado mas é igualmente impossível viver sem recordar o mesmo, penso que vivi na pesca dia após dia com objectivos diferentes, à distancia do tempo penso que consegui atingir todos os objectivos a que me propus, ao longo dos últimos anos acho que desfruto da pesca na sua plenitude, já não me preocupava em apanhar peixes grandes ou tentar descobrir aquele segredo guardado a sete chaves por alguém, já à muito que deixei de acreditar em amostras ou técnicas infalíveis, a idade acabou por fazer o seu trabalho.
Falando de robalos faz já muitos anos que tinha batido a barreira dos 8 kg num fim de tarde na foz do Douro algo que por aqui já escrevi.
Em média no fim de um ano devo pescar entre 3 a 4 vezes por semana, depois dessa tarde nunca mais bati essa barreira, fiz pescas brutais, apanhei peixes grandes, a barreira dos 6 e7 kg bati várias vezes, a partir dos 8 nunca mais, imaginem o numero de vezes que já pesquei depois disso, penso sinceramente que depois desse dia ferrei 2 peixes que podiam bater esse peso, perdi os dois.
Voltando atrás no texto, coincidência ou não nesse fim de tarde que apanhei o peixe peguei na cana para fazer tempo para o Jantar que por sinal até ia ser uma reunião familiar como agora ainda o fazemos semanalmente, nesse final de tarde apanhei esse peixe e mais três, todos eles excelentes peixes, um peixe acima dos 6 e dois entre os 3 e os 4 kg., dificilmente esquecerei esse dia porque foi o dia em que capturei o meu maior robalo mas também porque foi uma coincidência ter ido pescar, não tinha nada planeado e nem sequer a maré era das mais indicadas para aquele local, lá estão as probabilidades a enganar ou apenas o improvável a acontecer.
Sempre tentei ser o mais racional possível na pesca (retirando a parte das aquisições das amostras), sempre gostei de ir preparado para diversos cenários no entanto existiram pescas atípicas e sem qualquer tipo de condições e planeamento que me fizeram crer ao longo dos anos que na pesca basta ir pescar, concordo que há padrões, existem factores, condicionantes, muitos já abordei por aqui e penso que temos que padronizar as nossas pescas para aumentar as capturas, saber o porquê das grades e das capturas é importante em pescas futuras mas esquecemos sempre o improvável.
No mês de Dezembro por norma pouco pesco, por razões que nem sequer são pertinentes para este texto, mas as vezes que vou pescar são mesmo muito reduzidas.
O mar há vários dias que não tinha condições para pescar, observava-o diariamente e poderia existir uma pequena janela para pescar numa quarta-feira pelas previsões do Windguru, essa bela ferramenta que tantas vezes nos engana.
A Quarta feira chegou e de manhã como habitual fui ver o mar, bem… nada de especial e muito forte ainda, a janela prevista estava para depois do almoço, na véspera tinha comentado com dois amigos que ia lá pescar uma hora mas a vontade já não era muita depois do que tinha visto pela manhã.
Depois do almoço, pego na cana e carreto e começo o ritual da escolha das amostras amostras, só que a meio desisti, decidi levar a cana, o carreto, uma caixa com zagaias e meia dúzia de vinis tudo dentro de uma mochila estanque, decidi ir pescar de waders algo também que raramente vou fazendo. A motivação estava em baixo, aquelas condições não me despertavam confiança.
Ao sair de casa ligo ao Valadas a perguntar onde andava, estava num pesqueiro mas o mesmo não tinha condições e decidimos encontrarmo-nos noutro, quando já cheguei lá estava ele a fazer o seu famoso nó, enquanto ele tratava do terminal fui ver o pesqueiro e com aquele vento e sem água naqueles caneiros a sorte parecia que não ia ser muita.
Combinámos então ir ver um outro e nesse as condições eram melhores só que o vento era insuportável, lembro-me de estar a vestir o wader e a pensar “ que perca de tempo, devia ter era juízo”.
Lá fomos os dois e retirando o vento o mar até estava com algumas condições, pescável mas no limite, um caneiro, dois caneiros e nada, na verdade sinceramente não esperava capturar nada.
O Valadas a determinada altura pescava com uma Saltiga e exaltava as qualidades da mesma, eu continuava com uma zagaia a lançar em leque, lembro-me de ter trocado o atrelado da mesma duas vezes, falávamos do pesqueiro e dos peixes que já se perdeu devido à dificuldade do mesmo, muitas pedras e para complicar pescámos a cerca de 2/3 metros da água.
Até que o improvável acontece: ferro um peixe e o que acontece a seguir as palavras serão sempre escassas para retratar:
Ferro o peixe e a cana dobra automaticamente como se de uma mola se tratasse, o peixe inesperadamente não leva linha, sobe à superfície, chega à superfície debate-se com força e começa um corrida para o fundo, lembro-me de estar com o peixe e de ouvir o Valadas a comentar que quando o peixe bateu na superfície pensou que fosse a onda a bater num floreado rochoso meio submerso que lá tem, o peixe pedia linha e linha ele teve, a girar a manivela ao contrário pensava como haveria de tirar o peixe da água.
O mais difícil estava para vir, porque naquele ponto de maré não conseguíamos chegar à linha de água para cobrar o peixe, sabia que não podia encostar o peixe às pedras sem saber em que sitio o tinha que fazer, a única hipótese era segurar o peixe fora e pensar como o cobrar, o problema é que esta não é daquelas situações que nos podemos sentar e pensar como fazer, ou tomámos decisões rapidamente ou adeus peixe.
O Valadas e bem dizia para segurar o peixe fora, só que pescávamos paralelos à rebentação com a agravante que tinha pedras pela minha direita e esquerda, todas altas, o peixe para ser cobrado tinha que ser pelo sitio onde nos encontrávamos além de ainda não saber onde iria encalhar o peixe o mesmo lutava e com a rebentação a empurrar o peixe no sentido das pedras à minha direita.
Tentei descer a pedra pela esquerda, o Valadas dizia que por aquele sitio não ia dar e tinha razão, voltei a subir e olhando para a direita descubro uma pequena hipótese: descer a pedra onde me encontrava e saltar para outra, mesmo assim não chegava à agua, o salto não era difícil, o peixe já se encontrava cansado, o problema era a rebentação que teimava em arrastar o peixe para as pedras e sempre que vinha uma vaga tinha que forçar o peixe para ele não ser arrastado, só tinha que saltar e manter a linha em tensão, assim pensei e assim o fiz, mais próximo da água já estava, mas o metro que faltava pareciam 10 metros, o Valadas já me tinha seguido e foi graças a ele que surgiu a solução: A ideia seria arrastar o peixe por cima de uma pedra com a ajuda da vaga, quando a vaga passava a pedra enchia igualmente um buraco entre pedras, nesse buraco o Valadas conseguia chegar ao peixe, o único senão era que se não o conseguisse agarrar na primeira tentativa a água iria recuar e o buraco ficaria sem água e o peixe iria acompanhar a descida da água, se isso acontecesse o mais certo seria perder o peixe.
Era uma hipótese… Convenhamos que era a única possível, esperámos pela vaga certa e forcei o peixe com o material no limite quase a ceder à rebentação, arrasto o peixe por cima da pedra e assim que o peixe cai no buraco o Valadas consegue agarrar o peixe pela guelra.
Foram dez minutos de adrenalina ao máximo com algumas gargalhadas pelo meio, sabia que era um peixe grande mas só tive a real noção quando dei a mão ao Valadas para o puxar para cima e ele o colocou aos meus pés.
Recordo muitos pormenores da captura mas dificilmente esquecerei a alegria que ambos sentíamos, lembro-me que ficamos durante uns breves segundos em silencio a olhar para o peixe e depois foi a explosão de alegria.
O improvável aconteceu: condições péssimas para pescar, pesqueiro de dificuldade extrema e um robalo de 9.170 gramas, depois de tantos anos bati novamente a barreira dos 8 kg.
Tenho a perfeita noção que um peixe deste tamanho não define um pescador, porque poderia pescar dia após dia e nunca encontrar um peixe desse calibre, tenho noção que o improvável, a sorte e o destino tiveram comigo nesse dia mas também teve o Valadas que sem ele era impossível cobrar aquele peixe, aliás tenho sérias duvidas que um pescador sozinho naquele local conseguisse cobrar o peixe.
Para terminar quero dizer que são estes momentos que só os pescadores verdadeiramente apaixonados entendem, na memória ficará o peixe mas fica igualmente a alegria do genuína do Valadas com a captura, se levo muitos anos a pescar o Valadas ainda mais, e quando estamos presentes em alegria genuína tudo tem um sabor diferente, uma pureza que não merece ser manchada por palavras, ao Valadas o meu obrigado.
Mais tarde apareceu outro amigo: o Pedro e depois o meu irmão com outro amigo o Marcos, e durante 30 minutos o peixe foi o Rei.
Quem vai acompanhando o robalos na alma sabe que não faço relatos de pescarias com frequência, quando criei o blogue necessitava de um espaço para colocar algumas ideias, eram quase inexistentes os blogues de pesca no Norte de Portugal, tentei durante anos ir mantendo este espaço com imparcialidade e completamente isento de marcas ou correntes de opinião do exterior, o relato de hoje é para partilhar uma das coisas mais puras que tenho:
O prazer de pescar, a alegria que tenho de saltar de pedra em pedra, de sentir o cheiro a maresia e de sonhar com os peixes, o momento em que deixar de sentir esse prazer ou ilusão a pesca perde o sentido, nunca criei este espaço para gáudio pessoal, o que me interessava partilhar era uma paixão..
Nunca me arrependi de nada na minha vida, este espaço também faz parte de uma etapa, é chegada a altura de me ausentar deste espaço, quando faço algo tenho que o fazer com gosto, paixão e dedicação, há alturas que os níveis de saturação atingem picos e é nessa fase que me encontro faz já largos meses, chegou a altura de oxigenar e perspectivar, desligar a ficha por vezes é importante e é o caminho que neste momento decidi.
Voltarei ao robalos na alma isso vos posso garantir, se daqui a 2 meses ou daqui a dois anos não faço a mínima ideia, prometo que um dia voltarei aqui a escrever.
A todos os que foram visitando e participando neste espaço o meu sincero agradecimento, graças a este espaço conheci pessoas fantásticas e só por isso já valeu a pena ter iniciado este espaço
Pesquem e estimem esta paixão maravilhosa, continuem a perseguir os vossos objectivos e continuem a sonhar com peixes grandes, seguirei perseguindo os peixes, com a mesma ilusão de quando era um miúdo, no fundo pescar é sonhar e quando perdemos a capacidade se sonhar perdemos um pouco da nossa condição humana
Faço esse interregno com a mensagem que ainda há peixes grandes daqueles que aparecem nos nossos sonhos mesmo que por muito mais improvável que pareça vale a pena pescar, vale a pena continuar a sonhar..
A pesca é um destino que nos amarra, com sol ou à chuva , de noite ou de dia quando as probabilidades assim o entenderem encontrámo-nos numa praia,até um dia amigos, bem haja a todos..